O teto da dívida pública americana aumentou. E agora?
Resumo:
• O aumento no limite de endividamento não exerce grande influência no mercado de capitais.
• Os EUA provavelmente ficarão para trás tecnológica e politicamente já que vem adotando uma combinação de liquidez reduzida e atitude antagônica dos reguladores em relação às criptomoedas.
• Em termos de regulamentação, Hong Kong e a Área do Euro estão liderando a corrida para se tornarem centros globais de criptomoedas.
Políticas monetárias: flexibilização e aperto quantitativo
Primeiro precisamos entender os termos flexibilização quantitativa (QE, em inglês) e aperto quantitativo (QT, em inglês), pois a discussão abaixo é desenvolvida com base nessas políticas monetárias. Os bancos centrais são responsáveis por manter a inflação em um nível saudável de 2%. Cada vez que a inflação faz um desvio, eles adotam atitudes QE ou QT para controlar a oferta de moeda na economia, estimulando assim as atividades econômicas.
Criptomoedas, como parte recém-reconhecida dos mercados financeiros globais, reage às decisões sobre taxas de juros. O apetite dos investidores mudará em conjunto com os ajustes na oferta monetária. Assim, se perceberem que o acesso às reservas de caixa é limitado, podem reduzir a quantidade de investimentos em ativos de risco, como criptomoedas, em sua carteira para minimizar possíveis perdas e vice-versa. O primeiro cenário, conhecido como QT, ocorre quando um banco central aumenta sua taxa de juros, removendo a liquidez dos mercados.
O oposto do QT é o QE. A tentativa de QE mais conhecida foi a do Sistema de Reserva Federal (FED, em inglês) após a Grande Recessão. O FED manteve a taxa de fundos federais abaixo de 2% de maio de 2008 a setembro de 2018 para dar um impulso aos gastos, ou seja, estimulando o consumo. Na mesma linha, na Área do Euro, uma taxa de juros de 0% foi iniciada pelo ex-chefe do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, em 2016, em resposta à deflação do bloco.
Balanço e liquidez do FED
De acordo com o Google Trends, o número de buscas, na segunda quinzena de maio de 2023, pelos termos: teto da dívida e limite da dívida, foi em média de 58 por dia. Resultado considerado pouco expressivo comparando ao grau de exposição e cobertura que recebem na imprensa global.
A noção de que os Estados Unidos poderiam deixar de pagar suas dívidas pode parecer perigosamente atraente, mas as consequências seriam tão terríveis e contagiosas que a probabilidade de tal evento é considerada muito modesta. Agora que o presidente da Câmara e o presidente Joe Biden chegaram em um acordo, todo o FUD (medo, incerteza e dúvida) finalmente foi eliminado. Com isso, os rendimentos de curto prazo dos títulos de dívida do governo têm sofrido um declínio considerável (confira o gráfico abaixo), o que significa que a confiança dos investidores nos títulos está sendo restaurada.
Os mercados de ações estão entusiasmados com a confirmação de que o índice SP 500 registrou um aumento de 2,48% (fechamento em 6 de junho de 2023) em relação aos 4.179,83 pontos em 31 de maio. Além disso, o NASDAQ Composite subiu para 13.276,42 pontos (+2,64%). Por outro lado, durante o mesmo período, a cotação do Bitcoin diminuiu 0,6%.
Aumentar o limite da dívida nacional é apenas o começo
Embora tenhamos sorte de não haver nenhum Armagedom a ser testemunhado, as consequências de longo prazo nos mercados de capitais devem ser discutidas. Desde 1960, o limite da dívida dos EUA foi permanentemente aumentado, temporariamente estendido ou renovado 78 vezes, revelando uma tendência ascendente alarmante do poder de endividamento do governo americano. No final de maio de 2023, o valor total dos ativos do FED era de US$8.385.854 milhões, quase o dobro do valor pré-Covid (março de 2020).
Com o aumento do limite da dívida nacional, o FED provavelmente continuará reduzindo seu balanço. Desse modo, o QT deve continuar. Pesquisas apontam que um terço dos participantes do mercado prevê que o FED aumentará a taxa de juros em mais um quarto de ponto em junho de 2023, o que reduz ainda mais a liquidez dos mercados. Para além de toda cobertura da imprensa e das opiniões de de especialistas, temos que focar nas máximas que conduzem o atual mandato do FED: estabilidade de preços e elevação do número de empregos.
O gráfico mostra um resumo do índice de consumo e do mercado de trabalho dos EUA desde o início desta nova fase QT, iniciada em abril de 2022. A inflação tem caído consistentemente desde junho de 2022. No entanto, a chamada taxa de inflação mais precisa, o Core CPI (CPI menos energia e alimentos) não mostra mudanças significativas. Portanto, com base nos dados, é razoavelmente justificado acreditar em uma constante no crescimento do número de empregos e que o aumento da taxa de juros ainda pode persistir para continuar a redução da inflação.
Algumas criptomoedas são consideradas valor mobiliário nos EUA
Embora a crise de crédito possa não ser tão desastrosa para o mercado de criptomoedas, a atitude hostil das autoridades dos EUA em relação aos criptoativos representa um grande risco para o setor. Em primeiro lugar, a moeda fiduciária mais operada no mercado de criptoativos é o dólar americano, e o valor de mercado das stablecoins atreladas ao dólar é bilionário. Dificuldades na integração on/off ramp, certamente afetarão a adoção dos criptoativos. Sem mencionar que, se a Coinbase ceder à batalha regulatória em andamento, isso será um golpe desagradável para o ecossistema de startups de criptomoedas que está fortemente concentrado nos EUA.
Em 5 de junho de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, em inglês) entrou com uma ação contra a Binance, Binance.US e o CEO da Binance, Changpeng Zhao. As notícias fizeram os preços das criptomoedas cair, mas o tamanho da Binance.US é muito menor que o da Binance, e o setor de criptoativos pode e sobreviverá mesmo sem a Binance, como ocorreu após o ataque hacker ao Mt.Gox . Mais importante ainda, na ação a SEC identificou pelo menos 10 tokens como valores mobiliários: SOL, ADA, MATIC, FIL, ATOM, SAND, MANA, ALGO, AXS e COTI. Além disso, acusou a Coinbase por realizar oferta não registrada e venda de valores mobiliários por meio de seus programas de staking e por atividades de corretagem não registradas na Coinbase Wallet, uma carteira sem custódia operada pela corretora. Se a Coinbase decidir resolver o caso sem briga, isso pode servir como um precedente prejudicial para outros casos futuros relacionados ao setor de criptoativos.
Ainda há muito espaço de manobra para o setor cripto
Os EUA podem adotar uma abordagem dura para assuntos relacionados as criptomoedas, no entanto, mais países e regiões decidiram apoiar o ecossistema de criptoativos. O fim de um cenário desregulamentado significa melhor proteção para o usuário e mais apoio oficial para que todo o setor de ativos digitais inove e cresça de forma sustentável.
Ásia
A espinha dorsal do setor cripto está na tecnologia blockchain, cujo desenvolvimento é benéfico para vários setores, como turismo, entretenimento, educação, esportes, imprensa e redes sociais, saúde, finanças e privacidade. Portanto, muitos países e regiões estão se posicionando como novos centros globais para as criptomoedas como, por exemplo, Reino Unido, Hong Kong e Cingapura. Entre as jurisdições mencionadas, Hong Kong, é a região mais ansiosa em se tornar um novo lar para as empresas de criptomoedas. Deste modo, abriu recentemente inscrições de licenciamento para provedores de serviços de ativos virtuais (VASPs) antes de conceder aos usuários de varejo acesso ao trading de criptomoedas. Também selecionaram a Ripple para lançar um piloto do e-HKD, a CBDC da região. Nos últimos dias de 2022, o primeiro ETF cripto na Ásia fez sua estreia na Bolsa de Valores de Hong Kong e, em abril de 2023, o Gabinete do Secretário Financeiro de Hong Kong anunciou um subsídio de aproximadamente US$63.84 milhões para a Cyberport, com o objetivo de apoiar o crescimento do ecossistema Web3 em Hong Kong.
Por outro lado, o plano de Cingapura tem como objetivo empresas e instituições cripto em vez do varejo. Em dezembro de 2020, o DBS, maior banco do Sudeste Asiático em ativos, lançou sua própria plataforma para trading institucional de cripto, a DDEx. A plataforma opera com seis criptoativos: BTC, ETH, XRP, BCH, DOT e ADA. Um ano depois, o banco entrou no Metaverso com uma parceria com The Sandbox.
Agora, o segundo maior país do mundo na mineração de criptomoedas, a Rússia quer aproveitar essa vantagem e usar criptomoedas para negócios de exportação e importação. Se o projeto se tornar lei, isso afetaria a demanda por criptomoedas Proof of Work (PoW), especialmente o Bitcoin, e poderia aumentar seus preços.
A Área do Euro e o Reino Unido
Em 20 de abril de 2023, o Parlamento Europeu aprovou o projeto de lei Markets in Crypto-Assets (MiCA), que deve entrar em vigor no terceiro trimestre de 2024. O foco principal da MiCA gira em torno da administração de provedores de serviços de criptoativos (CASPs), que incluem qualquer empresa que ofereça ou possua serviços baseados em criptomoedas, mesmo que não sejam emissores de um token. Regras mais rígidas em relação às stablecoins visam evitar falhas do setor como o colapso da Terra (LUNA), hoje Terra Classic (LUNC). No entanto, muitos críticos dizem que essas regras provavelmente suprimirão o crescimento de moedas não governamentais. NFTs e empréstimos com criptomoedas não são explicitamente regulados pela MiCA.
A segunda moeda de referência para stablecoins apoiadas em moedas fiduciárias é o Euro. Nos primeiros cinco meses de 2023, a oferta circulante de Tether (USDT) aumentou 25,6%, Tether EURt (EURT) 0,2% e Euro Coin (EUROC) 93,6%. Enquanto isso, a oferta de USD Coin (USDC) caiu 34,9%. O valor de mercado combinado de USDT e USDC aumentou 1,2%, muito menor do que o valor combinado de EURT e EUROC que subiu 10,8%. O volume de stablecoins denominados em euros também demonstra uma tendência de alta.
Em fevereiro de 2023, o Tesouro de Sua Majestade (HM Treasury) publicou sua proposta de regulamentação de criptomoedas e abriu uma consulta pública sobre o tema. A ação faz parte do plano do primeiro-ministro Rishi Sunak de colocar o Reino Unido no mapa do setor cripto após a Reforma de Edimburgo que enfatiza fintechs e inovação.
Vamos analisar o ambiente macroeconômico nessas regiões. Abaixo está um gráfico que ilustra a taxa de inflação na Área do Euro e no Reino Unido desde que o BCE iniciou seu QT em abril de 2022. O Índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC) da União Europeia (UE), que mede sua inflação, vem esfriando desde outubro de 2022, bem abaixo de 2%. O Banco de Inglaterra (BoE) continua a aumentar a taxa de juros desde fevereiro de 2022, resultando em uma curva de inflação (CPIH) semelhante à da UE, mas com uma inclinação descendente menos significativa. Com isso, é prudente esperar períodos prolongados de aumentos nas taxas de juros do BoE. O BCE, no entanto, terá que recalcular seu processo de QT após dois trimestres de declínio econômico.
De qualquer forma, os esforços das autoridades da UE e do Reino Unido para estabelecer uma estrutura regulatória mais coordenada podem dar nova vida às atividades do setor de criptomoedas nessas áreas.
CBDC e ativos tokenizados
Moedas Digitais de Bancos Centrais (CBDCs) são uma tendência inevitável. 114 países estão explorando CBDCs, com a China apresentando o piloto mais reconhecido atualmente. Em 18 de maio de 2023, a Ripple anunciou o lançamento de sua nova plataforma Ripple CBDC, uma solução desenvolvida exclusivamente para liquidações e pagamentos instantâneos usando CBDCs e, claro, nela serão integrados mais provedores de infraestrutura.
O progresso com CBDCs abre as portas para um mundo de ativos tokenizados regulamentados como, títulos, valores mobiliários, hipotecas, entre outros. A missão do setor DeFi é inovar e revolucionar as finanças tradicionais usando transações sem necessidade de permissão e confiança (como realizado com o lançamento de derivativos de staking líquido). No entanto com o tempo os investidores globais terão acesso fácil a uma infinidade de ativos tradicionais graças as CBDCs e será interessante acompanhar como estes dois setores devem se comunicar, como é o caso proposto pelo Banco Central do Brasil, com o Real Digital, a CBDC do país.
Cripto se eleva acima dos riscos potenciais
O Bitcoin surgiu como um dinheiro eletrônico puramente P2P e permanecerá assim até o fim dos tempos. . Para além da especulação excessiva e das práticas de alavancagem degeneradas, o Bitcoin é de fato a reserva de valor imparcial e sem risco do mundo: sem impressão infinita, sem risco de inadimplência, sem manipulação maliciosa. Isso, combinado com o poder dos contratos inteligentes, de blockchains como o Ethereum, deve ser utilizado ao máximo para criar um mundo verdadeiramente descentralizado e remover o risco sistêmico advindo do excesso de confiança em qualquer moeda fiduciária.
Enquanto isso, podemos seguir o conselho de Jim Cramer e fazer o oposto: investir em tecnologia e IA (interessante notar que existe um ETF Inverse Cramer). Mas, como todos temos teto de vidro, não é bom atirar pedras em ninguém.
Fonte: Twitter de Jim Cramer
Aviso legal: As opiniões expressas neste artigo são apenas a título informativo. Este artigo não representa um endosso de nenhum dos produtos e serviços mencionados, nem se trata de uma recomendação de investimento, financeira ou de trading. Profissionais qualificados devem ser consultados antes de tomar decisões financeiras.
