Tether nega venda de Bitcoin em meio a especulações crescentes

O desaparecimento de alguns milhares de bitcoins de um balanço patrimonial é suficiente para alimentar controvérsias. Neste fim de semana, a emissora do USDT se viu no centro de um turbilhão midiático: teria ela vendido seus BTC secretamente? Alguns enxergaram aí uma mudança estratégica. No entanto, por trás dos números aparentemente preocupantes, surge outra realidade, muito mais sutil e, acima de tudo, revelando os movimentos discretos de um gigante das finanças cripto.

A transferência que alimentou a confusão

O caso veio à tona após uma publicação do YouTuber Clive Thompson, que alertou sobre uma queda significativa nas reservas de bitcoin da Tether entre o primeiro e o segundo trimestre do ano, enquanto a empresa se prepara para uma diversificação histórica com ouro.

Com base nos relatórios de atestação da BDO, ele observa que a empresa passou de 92.650 BTC no primeiro trimestre para 83.274 BTC no segundo trimestre, uma aparente diminuição de 9.376 BTC. Para ele, não há dúvidas: a Tether teria vendido parte de suas reservas de bitcoin, possivelmente para fortalecer sua posição em ouro.

A interpretação se espalha, alimentando preocupações em um mercado onde cada movimento das baleias é monitorado de perto. Em resposta a essa especulação, Paolo Ardoino, CEO da Tether, esclarece a situação por meio de uma postagem no X: “não vendemos nenhum Bitcoin”, afirmando que a empresa não realizou nenhuma venda de BTC.

Dados fornecidos por Samson Mow, CEO da Jan3, dão contexto aos números. Ele explica que os BTC supostamente “desaparecidos” não foram vendidos, mas transferidos para uma entidade distinta, a Twenty One Capital (XXI), apoiada pela Tether.

Na realidade, a empresa realizou uma série de transações durante o período, incluindo:

• 14.000 BTC transferidos em junho para a XXI;
• 5.800 BTC adicionais enviados em julho para a mesma entidade;
• Um total de 19.800 BTC movimentados para fins estratégicos;
• O que, segundo Mow, teria aumentado as reservas líquidas da Tether em 4.624 BTC a mais do que as registradas no final do primeiro trimestre, se essas transferências forem contabilizadas nos livros.

Em resumo, o balanço oficial não reflete uma venda, mas uma mudança na estrutura contábil. A Tether ainda detém os bitcoins, ou pelo menos mantém o controle por meio de uma iniciativa relacionada, e nenhum movimento de saída para os mercados foi detectado.

Uma diversificação deliberada: entre ouro, terras e o ecossistema Bitcoin

Enquanto Paolo Ardoino negou firmemente a venda de BTC, ele não escondeu a ampliação da estratégia de investimentos da Tether. Na mesma postagem no X, ele reafirma o compromisso da empresa em investir “parte de seus lucros em ativos seguros”, entre os quais cita explicitamente bitcoin, ouro e terras.

Essa declaração confirma que a diversificação de portfólio agora é um pilar oficial da estratégia da Tether, indo além do simples acúmulo de BTC. A empresa, portanto, não se limita a armazenar criptos; ela busca construir uma base de ativos tangíveis, numa lógica defensiva diante de um mundo que Ardoino descreve como “cada vez mais sombrio“.

A transferência de 37.000 BTC para a Twenty One Capital, avaliada em cerca de 3,9 bilhões de dólares, demonstra a disposição da Tether em apoiar infraestruturas relacionadas ao bitcoin, mas também sua capacidade de conduzir uma política de investimentos ativa e direcionada.

Essa escolha de alocar fundos para a XXI, uma plataforma liderada por Jack Mallers, fundador da Strike, se encaixa em uma lógica de ecossistema integrado, fortalecendo indiretamente a soberania da rede Bitcoin na arquitetura financeira emergente. Ao mesmo tempo, a diversificação em ativos tradicionais como ouro ou terras agrícolas revela uma forma de prudência, até mesmo de hedge estratégico.

Essa abordagem pode redefinir o papel da Tether na economia digital. Ao adotar um perfil de investidor híbrido com reservas significativas em bitcoins e ouro, a empresa ganha resiliência reforçada. Também pode inspirar outros players a adotar estratégias semelhantes em meio a incertezas econômicas e regulatórias. No entanto, essa transformação levanta questões sobre governança, transparência e legibilidade contábil, como demonstrado por essa recente controvérsia.